Quem foi Léon Werth?
Uma das dedicatórias mais lindas e cheias de sensibilidade da literatura é o texto que inicia o livro O pequeno príncipe. Saint-Exupéry dedica a obra a Léon Werth... quando ele era criança. Mas, espera aí, quem era Léon Werth? E qual sua importância para o nosso querido autor?
Para Léon Werth
Peço às crianças que me perdoem por dedicar este livro a um adulto. Eu tenho uma desculpa séria: este adulto é o melhor amigo que eu tenho no mundo. Tenho outra desculpa: este adulto pode entender tudo, até livros para crianças. Tenho uma terceira desculpa: ele mora na França, onde tem fome e frio. Ele precisa ser consolado. Se todas essas desculpas não são suficientes, então eu quero dedicar este livro à criança que este adulto já foi. Todos os adultos eram crianças primeiro (Mas poucos deles se lembram dela.) Então eu corrijo minha dedicatória:
Para Léon Werth,
Quando ele era criança.
Pois bem, Léon Werth era amigo de Exupéry, talvez o melhor amigo em toda a vida. A dedicatória se dá em um momento delicado para os dois, pois Exupéry estava em seu retiro nos Estados Unidos, e Werth na França, sofrendo os horrores de ser judeu durante a Segunda Guerra Mundial. Na dedicatória, o autor sugere um pouco do que Werth passava: “...ele mora na França, onde tem fome e frio. Ele precisa ser consolado.”
Além da dedicatória do O pequeno Príncipe (publicado em 1943), Carta a um refém (publicado em 1943/1944) faz uma homenagem à França que sofria com a Guerra, por meio de uma carta endereçada ao próprio Léon.
Breve biografia:
Léon era francês, nascido em fevereiro 1878, descendente de família judia. Foi escritor e crítico de arte. Escreveu criticamente e com grande precisão sobre a sociedade francesa durante a Primeira Guerra Mundial, a colonização e sobre a "colaboração" francesa durante a Segunda Guerra Mundial . Tinha um estilo de escrita surrealista.
Amizade com Antoine de Saint-Exupéry:
Os dois autores se conheceram em 1931, dando início a uma amizade muito próxima. Foi talvez o amigo mais próximo que Exupéry teve fora da companhia Aeropostale. Apesar disso, Léon era o oposto do amigo. Era anarquista e adepto aos ideais esquerdistas bolcheviques , além de ser 22 anos mais velho.
Em Carta a um refém, Exupéry escreveu que a essência de Werth era "sua busca pela verdade, sua observação e a simples utilidade de sua prosa".
Enquanto Exupéry vivia radicado nos Estados Unidos, Werth passou a Segunda Guerra em Saint-Amour, uma aldeia montanhosa próxima à Suiça. Lá, como referido na dedicatória do livro, estava “sozinho, com frio e com fome”. Em determinado momento, Antoine voltou à França, e se aliou à Força Aérea Francesa Livre, no início de 1943, se recusando a manter-se “distante dos que estão com fome”. Disse ele: “Estou saindo para sofrer e, assim, unir-me àqueles que são queridos para mim”.
Como se sabe, nosso querido autor não sobreviveu à Segunda Guerra. Léon Werth, sim, falecendo somente em 1955. Ele ficou sabendo sobre o desaparecimento do avião de Exupéry através de uma transmissão de rádio. Após morte do amigo, declarou: “Paz sem Tonio (como provavelmente chamava Antoine de Sanit-Exupery) não é totalmente a paz”.
Léon somente conheceu o texto para o qual foi tão importante após a morte do amigo, no final de 1944, quando a Editora lhe enviou um exemplar especial.
Com essa bela história, pode-se entender que Léon realmente era uma pessoa muito especial na vida de Exupéry, e povoava seus pensamentos durante a guerra, quando ainda estava distante. Com a beleza dessa amizade em mente, fica fácil perceber a delicadeza do autor do O pequeno príncipe em dedicar a obra a tão querido amigo.
Livro póstumo de Léon (e curiosidade sobre o livro Carta a um refém, de Exupéry)
O livro 33 dias, de Léon Werth, foi confiado a Saint-Exupéry em uma de suas visitas ao amigo em Saint-Amour. O livro conta sobre a fuga de Werth, sua esposa e seu filho de Paris antes do avanço do exército nazista. O livro é uma testemunha ocular sobre um dos maiores êxodos civis da história.
A missão de Exupéry era prefaciar e publicar o livro nos EUA, porém não obteve sucesso. O manuscrito de Werth acabou sumido por mais de 50 anos. Seu prefácio acabou publicado como um ensaio autônomo, com o título Carta a um refém (inicialmente Carta a Léon Werth).
Em 1992, Viviane Hamy (Editora francesa, fundada em 1990, pela própria Viviane Hamy) encontrou e publicou o manuscrito desaparecido. Em 2002 foi produzida uma edição de estudante, e 33 dias se tornou parte do programa nas escolas secundárias francesas. Hamy foi responsável pela redescoberta das obras de Werth, republicando alguns de seus livros entre os anos 90 e 2000. 33 dias foi finalmente publicado em inglês em 2015 em uma nova tradução por Austin Denis Johnston, com o prefácio de Antoine de Saint-Exupéry.
Fontes:
http://littleprince.8m.com/werth.html
http://www.zeperri.org/saint-exupery/os-amigos/
http://jewishbookworld.org/2015/05/33-days-a-memoir-by-leon-werth/